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Foto do escritorLuiz Bernardes

Champagne, um terroir

Olhos no céu e pés na terra: os mapas de Champagne

É verdade, meus caros leitores, que existe mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. Embora Shakespeare esteja certo, e mesmo no mundo dos vinhos existam mais coisas que chuva e solo, não se pode menosprezar a importância da terra e dos microclimas na influência de um vinho.


Terroir – espaço geográfico em que se cultivam videiras, considerando como homogêneo quanto aos recursos naturais que influenciam a viticultura, principalmente o clima, o solo e a topografia. O terroir muitas vezes também é considerado em sua história e tradições” – Dicionário do vinho


A importância do terroir é algo bastante pacífico no mundo do vinho. Apreciadores sabem que há diferenças entre a margem esquerda e direita de Bordeaux. Muitos sabem que há diferenças ainda entre os vinhos de determinadas localidades da margem esquerda ou direita do rio Gironde. Não é incomum alguém falar que prefere Pomerol ou Margaux a Saint Émilion ou Saint Julien.

Se em Bordeaux já há o reconhecimento da importância do terroir, essa importância ganha outra dimensão na Borgonha. A região vinícola notabilizada pela Pinot Noir e Chardonnay possui mais de 1000 climats diferentes, cada um com seu nome, história, gosto e local na hierarquia dentre os crus da região. O terroir é tão importante para a região que foi tombado como patrimônio da UNESCO em 2015.


Na Borgonha, quando falamos de um climat, não levantamos os olhos ao céu, nos baixamos para a terra” - Bernard Pivot


Em Champagne vivemos uma espécie de universo paralelo em relação à relevância do terroir. A cada passo em que a arte do assemblage desenvolvia-se e era quase levada à perfeição na região, afastava-se cada vez mais a ideia de terroir desenvolvidas pelas duas outras regiões francesas. Champagne ficou mais notabilizada pela forma de fazer seus vinhos que propriamente pela distinção de seu território, sempre encarado como uma grande região em que se produziam uvas em grandes quantidades para o melhor e mais consistente vinho espumante do planeta.


No entanto, por mais que o destaque da região, mesmo em cursos voltados à certificação em vinhos, seja mais relacionado ao modo de fazer o vinho, o famoso método tradicional (que tem como sinônimo referência clara à região, “método champenoise”) não significa que seja uma área igual e contínua de 34.300 hectares. Nada poderia ser mais equivocado.


A ideia de terroir de Champagne não é exatamente nova. No século 9 d.C há documentos que apontam as distinções dos vinhos do rio (vins de la riviére) e vinhos da montanha (vins de la montagne), referindo-se ao que hoje conhecemos como Valée de la Marne e Montagne de Reims.


Mas foi somente no século XIX que a primeira tentativa de classificação dos vinhedos de Champagne tomou corpo, devido ao trabalho realizado por André Julien, “topografie de tous les vignobles connus”, em tradução livre “Topografia de todos os vinhedos conhecidos”. O livro divide os vinhos quatro classes de vinhos franceses, dentre as quais vinhos (tintos) de Verzy, Verzennay, Mailly, Saint-Basle, Bouzy e Clos de Saint Thierry chegavam ao topo, pareando com os vinhos da Borgonha.


Em 1911 a ideia se desenvolveria e seria criada a primeira escala de crus em Champagne. A escala servia de orientação para precificação das uvas, na realidade em que os pequenos produtores vendiam suas uvas às grandes casas. Realidade esta que domina ainda hoje.

Começaram aí as divisões (em vários sentidos) da região em sub-regiões. Inicialmente eram três sub-regiões: Montagne de Reims, Valée de la Marne e Côte des Blancs. O Aube foi excluído pela legislação francesa de 1908 e retornou em 1911 como uma região de segunda classe - deuxième zone, condição que manteria até 1927, ao ser finalmente reconhecido como parte da Champagne.


Mapa obtido em https://www.firstgrowthwines.net/champagne

O mapa foi modificado para atender a essa mudança e ainda hoje a maioria dos livros divide a região em 4, acrescentando às três já citadas a região conhecida com Aube ou Côte des Bar.

O Comitê de Champagne chega a dividir a zona de apelação em 20 sub-regiões distintas. O Wine Scholar Guild adota a classificação nas 4 sub-regiões clássicas e subdividindo-as em 17 terroirs. Um dos maiores especialistas em Champagne, Peter Liem adota uma divisão diferente, em 7 sub-regiões.


Mapa do livro de Peter Liem.

Importante citar, ainda, os mapas de Larmat, publicados em 1944. Os mapas detalham, ainda mais, o desenho de Champagne, trazendo, com riqueza de detalhes, vinhedos e parcelas (lieux-dits) que hoje são sinônimos de excelência.

Mantenha os seus olhos nas estrelas e os seus pés na terra. – Theodore Roosevelt

Não importa que classificação o leitor prefira. A mais tradicional em 4 sub-regiões, a de Liem com 7, a da WSG com 4 sub-regiões e 17 micro terroirs. O principal é entender que Champagne não é um território único e homogêneo. Como em qualquer outra grande região vinícola, o terroir influencia vinho. E muito. E é isso que vamos continuar trazendo por aqui, com os olhos no céu e os pés na terra.


Fontes:

LIEM, Peter. Champagne. The essential guide to the wines, producers and terroirs of the iconic region. New York: Tem Speed Press. 2017.

TAGLIARI, Maurício; CAMPOS, Rogério de. Dicionário do vinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2011.

https://www.beaune-borgonha.com/descobrir/os-vinhos-da-borgonha/os-vinhedos-da-borgonha/os-climats-inscritos-na-unesco

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